segunda-feira, 9 de março de 2015

O rock no diminutivo



É claro que não é possível ouvir música como Nietzsche, por exemplo, a escutava. Mas, algumas de suas críticas a Wagner são, para mim, alguém que vive no tempo do rock mais bonitinho e comportado, grandes elogios.  Ele dizia:

"Aí está um músico que supera qualquer outro na arte de extrair tonalidades do mundo das almas sofredoras, oprimidas, torturadas e que consegue dar voz à muda desolação. Ninguém o iguala no matizado de fim de outono, na felicidade indizivelmente comovedora do último, do derradeiro, do mais breve prazer; conhece a tonalidade que convém a essas meias-noites secretas e inquietantes da alma, em que causa e efeito parecem escapar a toda e qualquer lei, em que a cada momento algo pode nascer 'do nada'. (...) Conhece como a alma se arrasta, fatigada, quando já não consegue mais correr nem voar, nem mesmo caminhar; tem o olhar sombrio da dor escondida, da compreensão que não consola, dos adeuses sem confissão; sim, Orfeu de todas as misérias secretas, não possui rival e, graças a ele que, como primeiro, a arte acrescentou a si mesmo aquilo que até então parecia inexprimível e mesmo indigno da arte - por exemplo, as cínicas revoltas de que somente o auge do sofrimento é capaz, bem como muitos indecifráveis e microscópicos momentos da alma, por assim dizer, as escamas de sua natureza anfíbia. (...). Wagner foi alguém que sofreu profundamente - essa é sua superioridade sobre os outros músicos. __ Admiro Wagner sempre que se debruça sobre si própria em música. (...)

Isso não significa que eu considere essa música como sadia e, de modo particular, precisamente quando se fala de Wagner. Minhas objeções contra a música de Wagner são objeções fisiológicas: por que tentar disfarçá-las ainda sob fórmulas estéticas? A estética não passa, na realidade, de uma fisiologia aplicada. Para mim o "fato", meu "pequeno fato verdadeiro", é que não respiro mais facilmente a partir do momento em que essa música começa a agir sobre mim; meu pé logo se irrita e se revolta contra ela: porque meu pé tem necessidade de cadência, de dança, de marcha - até o jovem imperador da Alemanha não poderia marchar ao passo e ao som da 'marcha do imperador' de Wagner - porque exige da música acima de tudo os arrebatamentos para avançar corretamente, para caminhar corretamente, para dançar bem. Mas será que meu estômago não vai protestar também? E meu coração? E minha circulação sanguínea? Minhas entranhas não vão estar aflitas? Será que não vou enrouquecer sem querer? (...) Isso me leva a colocar a seguinte questão: o que meu corpo inteiro quer, pois, da música? Pois a alma não existe... Quer, acredito, seu alívio: como se todas as funções animais tivessem necessidade de ser estimuladas por ritmos leves, ousados, cheios de animação, seguros de si; como se o bronze e o chumbo da vida devessem esquecer seu peso graças ao ouro das ternas e untuosas melodias. Minha melancolia aspira ao repouso nos recônditos e nos abismos da perfeição: é por isso que tenho necessidade da música. Mas Wagner causa doença".

Acho que Nietzsche é completamente original e necessário ao pensar a estética a partir da fisiologia. Sim, precisamos nos perguntar o que as músicas de hoje, as músicas que ouvimos ou descartamos, produzem em nosso corpo.

O rock pós Stroke e Los Hermanos é tão bonitinho, tão comportado, tão superficial, que basta vermos a reação dos corpos dos fãs durante os shows, para termos uma percepção exata do tipo de vida que este rock nos traz. Os sorrisinhos no rosto, a cara de apaixonadinhos felizinhos. É um rock no diminutivo. Um rockinho. Não precisa dizer que é um rock para jovens bem de vida. Não protestam os estômagos. Porque o fariam? Os pratos estiveram sempre cheios. Onde está a garra, a raíz, a força,  a revolta e resistência que essa juventude demonstrou nas ruas?

3 comentários:

  1. Como diletante no assunto, concordo demais com essa análise. A um tempo percebo que algumas bandas do cenário alternativo brasileiro estão copiando ou copiaram o Los Hermanos. Tudo se copia mesmo, só que fica uma coisa sem vontade, sem opinião. Os caras não se dão ao trabalho de surpreender. Ficam repetindo acordes e letras sem pé nem cabeça. Por isso o pen drive e os dvds piratas são a salvação, e os caras que preservam a boa apreciação musical.

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  2. Mas o rock não é necessariamente sobre "protesto" ou sobre "agressividade" e nem precisa ser "feio" pra ser mais rock. É tudo uma questão de contexto e a conjuntura onde cada um é criado. Os próprios grandes do estilo não funcionaram assim em seus auges. Creio que tal discurso de "protesto" pode ser aliado como parte integrante e fundamental talvez do Punk Rock, do Hip Hop, do Rap e talvez até do próprio Proto Punk. A estética não passa de estética e está aliada ao que ocorre na conjuntura em que ela é proposta. Aliás, se dermos à Elvis, Muddy Waters ou até Chuck Berry a responsabilidade de paternidade do rock, vemos que não é sobre protesto, agitação política ou agressividade. Aliás esses três geralmente são sobre o mesmo de hoje, emoções e relações afetivas, o que normalmente causa essa sensação no público. O próprio Beatles se apoiou na imagem de "bonitinhos" para conseguir se vender e mesmo Rolling Stones no começo de sua carreira fez o mesmo.

    Acho que vivemos uma época interessante do rock, fora dos grandes palcos encontramos o rock em suas mais diversas formas, desde o mais "bonitinho" ao mais "pesado" e "psicodélico". E nos grandes palcos temos boas representações disso (apesar de em menor número e disputando espaço com outros estilos).

    Creio que parte do problema está no rock em algumas esferas tentar se criar pra ser comercial, querer estar no rádio. Esse protesto contra os estilos mais "comercializáveis" na maioria das vezes pode ser interpretado como um certo sentimento de ciúme, onde o rock e suas variações queria estar no lugar que o Pop ou o Sertanejo ocupam hoje em dia.

    Enfim, creio que o rock tem que ser avaliado em suas diversas esferas de existência e ser comparado com seus principais momentos (que eu julgaria ser os seus primórdios e seu auge) pra poder criar um discurso de como está hoje e até quem sabe até nisso descobrir para onde ele está caminhando, pois se existe a pressa de que o rock vá para as rádios e pro Faustão, eu gostaria que isso realmente fosse recalculado.

    Ps.: Longe de mim de comparar a qualidade musical das bandas e músicos citados por mim com Strokes ou Los Hermanos, os utilizei mesmo para efeito de comparação do cenários.

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  3. Existe Rock em Goiania? Pensava que só rolava Sertanejo.
    Só existe um tipo de categoria musical neste planeta?
    Só existe um tipo de pessoa e todas tem que curtir rock?
    Po, curto Rock (Testamet, Slayer e etc.)
    Curto Los Hermanos, O Rappa E etc.
    Curto Muito Eletrônico vou em altas baladas e etc.
    conheço Muito Samba de Raiz de Roda e etc.
    Assim como conheço muitos sertanejos.
    Nem por isso estou criticando um estilo musical se é ou não rock.
    Acho que pra criticar uma banda temos que gostar muito da banda, acompanhar a trajetória realmente por trás..
    Bem, enquanto você empobrece no seus artigos.
    Eu estou aqui curtindo meu Los Hermanos.
    Boa sorte.

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