Recentemente, uma amiga esteve no Chile, a turismo. Ao
chegar por lá no dia 11 de setembro, percebeu que era feriado nacional. Se
entristeceu, dizendo: “Ora, mas os EUA têm poder mesmo. Até no Chile decretaram
feriado por conta do atentado às torres gêmeas?”.
O que ela não sabia é que o feriado no Chile não está
relacionado ao 11 de setembro de 2001, mas ao 11 de setembro de 1973, quando o
governo de Salvador Allende foi derrubado por um golpe das forças armadas
liderado pelo general Augusto Pinochet.
Se há algo muito pouco estudado no ensino básico brasileiro
é a experiência chilena durante este governo da Unidad Popular, encabeçado por
Salvador Allende.
Não é nossa intenção discutir todas as questões do tema, mas
simplesmente indicar este excelente documentário feito pelo chileno Patricio Guzmán. Trata-se de um dos principais
documentários políticos que eu já assisti. Ele tem vários problemas, como por
exemplo, a narrativa do narrador que, por vezes, direciona demais a interpretação
do processo chileno.
Mas, fora isso, é especialmente brilhante o modo como capta
a voz dos trabalhadores chilenas, como estavam organizados em seus organismos
de poder popular e como interpretavam seu papel e o momento em que viviam.
O que penso que seja realmente grandioso neste filme, e que
aparece especialmente na PARTE II e III, é o modo como consegue captar as
tensões existentes entre os mecanismos de poder popular (as organizações diretamente gerida pelos próprios trabalhadores, tais como os cordões de
fábrica, os conselhos comunais, etc.) - que a partir dos lockouts (boicotes da
burguesia) começaram a organizar diretamente a produção e distribuição, vinculando
a democracia das fábricas à auto-organização dos trabalhadores nos bairros – e o
governo popular do “compañero” presidente Salvador Allende.
Essa tensão aparece na documentação histórica em distintos
momentos. Embora Allende seja efetivamente querido pelos trabalhadores, na
medida em que estes se organizam e passam a gerir cada vez mais o trabalho e a
organização da vida social, começam a exigir do governo uma atitude mais
revolucionária.
Os trabalhadores, por exemplo, começam a ocupar as fábricas
e fazendas, exigindo mais nacionalizações e mais indústrias e fazendas sob o
controle dos trabalhadores. Queriam, assim, resolver o problema da crise de
abastecimento e, ao mesmo tempo, retirar o poder econômico das empresas que
produziam o boicote.
Porém, o governo começa a frear tais iniciativas. Isso
ocorre, por um lado, pelos limites legais institucionais, cujas nacionalizações
das fazendas, por exemplo, precisavam obedecer à lei da reforma agrária, e as
nacionalizações das indústrias (depois de uma lei criada para isso) deveriam ser submetidas ao
congresso. Dessa forma, o poder popular (as organizações de base diretamente
controlada pelos trabalhadores) apresenta um desejo de ir para além do limite
institucional. Para tanto, apresentam uma alternativa, que havia sido
estimulada pelo MIR: o fechamento do congresso e sua substituição pela assembleia
popular (uma espécie de conselho popular de democracia direta).
Por outro lado, o governo começa a frear os organismos
populares também por sua política de alianças. Ao menos no último ano, Allende
estava convencido de que longe de seguir o ataque aos interesses das empresas
privadas, deveria-se parar as ocupações, mostrar ponderação, para ganhar o
apoio do Partido Democrata Cristão, e assim, estabelecer um Pacto pela
legalidade. Temia-se que a radicalização dos organismos de poder popular fosse
usada para justificar e apressar o golpe militar. (DESTAQUE PARA A PARTE II DO
FILME, A PARTIR DE 40 minutos e 15, EM QUE SE DÁ UM DIÁLOGO ENTRE TRABALHADORES
DOS CORDÕES E UM REPRESENTANTE DA CUT – CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES.
ASSISTAM!!!).
Os trabalhadores chegaram a clamar por armas para enfrentar
o fascismo. Mas, Allende optou pela via diplomática. A estratégia não
funcionou. Os democratas cristãos não estavam interessados em se aliar com o
governo. O golpe veio e o povo, disposto a lutar contra o fascismo, não tinha
armas para se defender.
Dentre a esquerda que analisa hoje o golpe, alguns culpam a
pressa dos trabalhadores e suas correntes políticas mais radicais, tais como o
MIR e o PS, que acabaram menosprezando a força da reação e a provocando. Outros
culpam a lentidão do governo, que ao invés de dar um golpe nos poderes
econômicos e políticos da burguesia, confiando o poder na auto-organização dos
trabalhadores, preferiu tratar o inimigo dentro das regras do jogo.
De todo
modo, para qualquer uma dessas análises, este é um grande filme, pois consegue,
apesar de alguns limites, dar conta da complexidade das relações de adoração e
tensão entre governo e poderes populares.
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