quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O CURTO VERÃO DA ANARQUIA: Primeiras participações de Durruti no movimento operário e a questão da violência

(Buenaventura Durruti)

De todos os livros que eu li, talvez o que mais tenha me marcado tenha sido O CURTO VERÃO DA ANARQUIA, de Hans Magnus Enzensberger. Eu o li quando eu tinha 16 anos e dava meus primeiros passos no movimento anarquista. Talvez por isso tenha me marcado tanto. Talvez, porque seja mesmo uma obra prima. O que importa é que, desde então, havia decidido que, se eu tivesse um filho, eu o homenagiaria com o nome de Durruti. 

O tempo passou e eu ainda não tenho filhos, mas nestes quinze anos em que conto aos amigos o nome do meu futuro filho inexistente, todos se espantam e falam: "Du o que? O quê que é isso? Não faça isso com ele". O certo é que pouca gente conhece Buenaventura Durruti, o operário anarquista espanhol que se tornou um grande mito na Espanha. 

Para resolver esse problema, eu sempre quero indicar para os amigos esse livro O CURTO VERÃO DA ANARQUIA. Mas, como nunca consigo encontrá-lo online, e na estante virtual ele custa 80,00 (fora o preço de envio), acho que seria justo compartilhar alguns trechos neste blog. 

Vou fazer isso em várias partes. Para hoje, selecionei alguns trechos que se encontram no início do livro. O primeiro trecho é a narrativa inicial de Ezensberg, pra chamar a atenção sobre Durruti e sobre o como em sua história se entrelaçam ficção e verdade. 

O segundo e o terceiro já tratam daquilo que quis centrar aqui: O início da participação de Durruti no movimento operário espanhol e o papel da violência. Trata-se de sua participação na greve de 1917, quando tinha apenas 19 anos. Acho que este tema é bastante atual para o contexto brasileiro, em que as manifestações de rua ganharam ao menos desde maio de 2013 um caráter combativo. Com vocês, O Curto Verão da Anarquia: 

HISTÓRIA COMO FICÇÃO COLETIVA



"Nenhum autor teria ousado escrever a história de sua vida: lembraria demais um romance de aventuras". Esta conclusão foi tirada por Ilya Erenburg em 1931, ano em que conheceu Buenaventura Durruti; logo depois pôs-se a escrever sobre ele. Em algumas poucas frases resumiu o que pensava sobre Durruti: "Desde muito jovem este operário metalúrgico lutou pela Revolução. Foi às barricadas, assaltou bancos, atirou bombas e sequestrou juízes. Foi três vezes condenado à morte: na Espanha, no Chile e na Argentina. Passou por um número incontável de presídios e foi expulso de oito países". 

Ora, mas esta negação do "romance de aventuras" revela um receio antigo do narrador, o de ser talvez considerado um mentiroso justamente onde ele nada cria, mas fala da 'realidade'. Pelo menos dessa vez gostaria de que lhes dessem crédito. Além disso, sobrevém a suspeita que ele próprio lança sobre si por meio de sua obra: "Ninguém acredita em pessoas que mentiram uma vez, mesmo que estejam dizendo a verdade". Para narrar a história de Durruti, Erenburg tem que se negar enquanto narrador. Essa negação da ficção oculta, ainda e por fim, o desgosto do autor de saber que não conseguiria narrar mais nada sobre Durruti, de que, do romance proibido, nada mais restava senão um vago eco de conversas num café espanhol. 

E no entanto Erenburg não consegue calar-se, não consegue esquecer na mesa do café os fatos que lhe foram contados. Todas as coisas que ouviu o dominam e o transformam num recontador de histórias. (...)

A GREVE GERAL
(Portada el ABC, 14 de agosto de 1917. Disponível em: https://antoniomaestre.files.wordpress.com/2012/11/huelga-14-agosto-1917.png. Acesso em 28-01-2015). 

Então veio a greve geral de 1917, que se estendeu por toda a Espanha. Nós já compreendíamos um pouco as coisas e fazíamos parte do sindicato socialista de León. Bem, na época não havia outro.

Fomos os primeiros a levar ares novos para o sindicato, tentando fazer com que ele não se degenerasse por inteiro através da corrupção. Eles sempre diziam que a eleição resolveria todos os problemas. Nós, ao contrário, dizíamos: não é só isso. Vocês também têm que pensar em outras coisas.

Tínhamos dezenove anos quando a greve geral estourou. Se foi violenta? E como! Na verdade fomos nós que provocamos a violência. O governo pôs o Exército atrás de nós. A greve havia sido convocada para a meia-noite. Em toda parte a Guardia Civil se aprontara para reprimir os trabalhadores quando saíssem das fábricas. Mas nós tínhamos feito planos para impedir que nossa greve fracassasse. Possuíamos algumas armas; não muitas, mas o suficiente para afugentar os soldados que já tinham ocupado a estação (para quem vinha do centro da cidade, ela já ficava do outro lado do rio). No escuro da noite, víamos brilhar as fardas militares. E então começou: bang! bang! bang! Foi quase uma pequena batalha, e nós nos divertimos muito.

Mas a Guardia Civil já estava no nosso encalço. Com os pequenos revólveres que tínhamos, não podíamos fazer muita coisa. O jeito foi procurar, no centro de Léon, alguns postes de alta tensão que fossem altos e estivessem ocultos por árvores. Subimos neles e ficamos bem escondidos. Cada um de nós enchera bolsos e bonés com pedras, atiradas nos policiais. Estes ficaram feito loucos, pois não sabiam de onde vinha a carga. No escuro, nossa 'munição' chegava a produzir faíscas na calçada. Era pedra pra todo lado! Os policiais atiravam os cavalos contra os manifestantes, mas não conseguiam nos descobrir.

Na verdade, isso não significou muito, mas serviu para que as pessoas percebessem que a luta passiva não levaria a nada. Pouco a pouco foi-se criando uma atmosfera revolucionária, semelhante àquela que mais tarde a CNT espalharia por todo o país.

Naturalmente, nessas lutas o comandante já era Durruti. 

Florentino Monroy 
(p.23-24). 



Os SINDICATOS
(Diario El Imparcial, 14 de agosto de 1917 (disponível em: https://antoniomaestre.files.wordpress.com/2012/11/imagen-11.png. Acesso: 28/01/2015). 


Por causa da greve de 1917, Durruti e alguns de seus companheiros foram expulsos do sindicato dos ferroviários, uma instituição dominada e manipulada pelos social-democratas. Durruti e seus amigos tinham tomado a greve ao pé da letra, sem perceber, em seu entusiasmo juvenil, que o movimento paredista era um ardil dos pelegos. Largo Caballero, Besteiro, Anguíano e Saborit, os líderes da social-democracia, tramaram a greve apenas para recuperar o poder que por um tempo lhe tinha fugido ao controle, entregando assim os trabalhadores de mãos e pés atados à direção das companhias ferroviárias.

Esta manobra sórdida e a comédia da punição dos culpados deram aos pelegos não só algumas cadeiras no Parlamento como também a possibilidade concreta de "limpar" os sindicatos ferroviários de seus filiados anarquistas. Em suas reuniões, os anarquistas se posicionavam contra a tática reformista e a influência dominante do partido social-democrata e lutavam por uma orientação realmente revolucionária no sindicato. 

Durruti era um dos mais rebeldes e um dos mais militantes entre os anarquistas. Com alguns companheiros, recusou-se a capitular diante dos patrões. Seu grupo, como muitos outros, passou à sabotagem em grande escala. Locomotivas eram queimadas, armazéns e lojas incendiados, trilhos arrancados. Esta tática deu resultado e muitos trabalhadores aderiram a ela. No entanto, quando estes atos de sabotagem tomaram proporções assustadoras, os socialistas ordenaram o fim da greve. 

Muitos organizadores do movimento, dentre os quais Durruti, perderam o emprego. Nessa época, o sindicato dos anarquistas, a Confederação Nacional do Trabalho, começou a crescer. Uma parte significativa do proletariado espanhol simpatizava com ela e era grande o número de filiações. Durruti rumou para o distrito mineiro das Astúrias, verdadeiro foco dos social-democratas, para fazer propaganda da linha anarquista pregada pela CNT, contra o sindicalismo neutro e reformista. Com isso, caiu na lista negra, perdeu de novo o emprego e teve de emigrar para a França. 

V. de Rol 
(p. 24-25)

Referência: 
ENZENSBERGER, Hans Magnus. O Curto Verão da Anarquia. SP: Companhia das Letras, 1987. 

2 comentários:

  1. O curto verão da anarquia em PDF
    http://brasil.indymedia.org/media/2015/02//540144.pdf

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  2. Tem também o link:https://pt.scribd.com/document/372860361/ENZENBERGER-Hans-Magnus-O-curto-verao-da-anarquia-pdf

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